
Multiplicarei grandemente o seu sofrimento na gravidez; com sofrimento você dará à luz filhos. Seu desejo será para o seu marido e ele a dominará. Genesis 3:16.
A diretora Laís Bodanzky trás referências como Casa de Bonecas do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, e O Segundo Sexo, da filósofa francesa Simone de Beauvoir, ícones do pensamento feminista e da percepção do comportamento feminino no seu meio. Assim, Bodanzky reflexiona sobre a autonomia da mulher na constituição de um modelo familiar patriarcal na qual a sua própria imagem também é uma concepção do olhar masculino.
Em 1917, o diretor Sam Mendes, ganhador do Oscar por Beleza Americana, nos envia para um específico evento da Primeira Guerra Mundial, conhecido anos depois como Operação Alberich. Neste operação militar, do ponto de vista inglês, houve um recuo estratégico das tropas alemãs no norte da França. Mendes, inspirado pelas memórias de guerra do seu avô, nos propõe a partir disto uma história de heroísmo e valentia, na qual os cabos Schofield (George MacKay) e Blake (Dean-Charles Chapman), delicadamente desenvolvidos em função da narrativa, são enviados como mensageiros através da terra-de-ninguém lutando contra o tempo para salvar 1600 homens da emboscada alemã.
Parasita é um filme feito por muitos filmes, no bom sentido da associação. Fascinado pela própria história, explora com curiosidade suas linhas narrativas demonstrando compreender bem a riqueza de seus conflitos, com sutileza. Além disso, possui uma das características que mais me seduzem. Passeia com elegância entre vários gêneros, o que, possivelmente, atenua o comentário político-social que denuncia, seja pelo uso das redes, seja pelas relações de consumo. Mais do que isso, estes elementos são marcas fatídicas da contemporaneidade e caracterizam Bong Joon Ho como um grande observador do seu tempo.
Cinema é a arte de contar histórias, de nos transpor para universos que podem simular nossa realidade, mas com suas próprias regras, com seu próprio ponto de vista sobre o que é moral e com sua própria sentença das relações de causa-e-efeito. Chamamos a isto de alegorias e têm como principal objetivo provocar, estimular o pensamento crítico. Além disso, por que não dizer que as alegorias também despertam a sensibilidade ainda que associada a elementos fantásticos? Cinema é transcender.
Portanto, assim diz o senhor: eis que trarei sobre eles o mal, de que não poderão escapar; e, se clamarem a mim, não os ouvirei. Jeremias 11:11 abre esta narrativa com sua mensagem de desesperança e temor, antecipando, nas entrelinhas, a natureza trágica dos acontecimentos que acompanharemos. O diretor e roteirista Jordan Peele utiliza esta citação não de modo explícito, verbalizado, mas é sábio o bastante para, ao introduzi-lo, causar certa estranheza e desconforto. Multifacetada, a narrativa se abre à análise de naturezas diversas e que demonstram não apenas a habilidade de seu realizador em agregar nuances, mas também sua competência pelo domínio absoluto sobre a obra que pretende apresentar. De fato, tem a estrutura de filmes de gênero, no caso, suspense/horror, e que também passeia pelo drama e pela ficção científica; mas sua virtude mais eloquente é utilizar a linguagem como denúncia do caos e das profundas feridas sociais oriundas de uma sociedade marcada pelo capitalismo extremo, como é a dos Estados Unidos, mas que em outros níveis de interpretação também nos abraça.
Arábia
- Você acredita em Deus?
- É mais fácil crer que existe o capeta do que Deus.
- Por quê?
- O mundo só tem matação, tiro, morte. Não tem milagre.
Com este breve diálogo os diretores Affonso Uchoa e João Dumans sacramentam o perfil da história que veremos adiante, sublinhado o fato surpreendente desta última frase ter sido dita por uma criança. Arábia é espelho do homem pobre do interior do nosso país (longe dos grandes centros urbanos), vítima das relações trabalhistas inflexíveis que tragicamente o manterá à margem da prosperidade social e cuja individualidade é sufocada pelo contexto correlato. Assim como frisei no texto Eu, Daniel Blake, o cinema também é fruto do seu tempo, e neste sentido Arábia, ao seu modo, é uma face da trajetória silenciosa de 12,4 milhões de brasileiros.
O universo bruxo concebido por J. K. Rowling é a minha grande paixão enquanto histórias de fantasia e aventura. No cinema, Harry Potter e a Pedra Filosofal foi minha primeira experiência, aos 10 anos, e naquela ocasião vários sentimentos se confundiam entre o que era visto em cena e a minha percepção de estar naquele ambiente, construindo, portanto, um vínculo afetivo jamais superado. O corredor que levara até as salas, as luzes pelo chão sinalizando as fileiras, a grande tela ainda enigmática são lembranças que rivalizam apenas com o encantamento do próprio Harry diante de Hogwarts, do Beco Diagonal e outros tantos lugares que passaríamos a conhecer tão bem ao longo dos anos. As histórias fecundaram-se, tornaram-se consistentes e grandiosas e a franquia conquistou sua envergadura por seus próprios méritos de linguagem associados a cineastas cada vez mais ousados também. Tenho dito estas palavras porque Os Crimes de Grindelwald me mantém em conflito. Por um lado, devo dizer que por muito pouco já estava completamente imerso e entregue, como de hábito; por outro, admito que as escolhas que foram feitas prejudicaram muito a narrativa, sendo este o filme mais confuso do agora autointitulado Wizarding World.

Em 1993, o Parque dos Dinossauros de Steven Spielberg apresentou-se com uma proposta de “sessão da tarde” ancorada na aventura e incluindo também leves toques de filme-de-monstro. O tempo encarregou-se de envelhecê-lo muito bem e, durante todos esses anos, ganhou quatro continuações que jamais conseguiram assemelhar-se ao original. Estes filmes, na verdade, têm uma muleta nostálgica indiscutível, talvez como maquiagem para marasmo como que foram concebidos. Ainda assim, é um alívio que Reino Ameaçado destaque-se ao menos pelo seu talentoso diretor.
Jogador Nº 1
Jogador Nº 1 é visualmente impactante e divertidamente eloquente, sendo estas suas principais virtudes. Liberto de maiores ponderações, este é puramente um filme de gênero, que abraça a aventura e que lança-se com destacada vivacidade ao universo dos games, extraindo de lá a juventude e a criatividade que lhe são característicos. Dito isto, é surpreendente, no seu sentido mais positivo, que tenha vindo pelas mãos de um diretor com mais de 70 anos de idade.
De onde vem a inspiração? Em que lugar recôndito as ideias são cultivadas? São filhas de que mães? O que as despertam? Darren Aronofsky (que aqui assume os papéis de diretor e roteirista) discute a construção do pensamento e a criação utilizando-se de alegorias para ressaltar a sua musa, a mãe das ideias. Confortável ao dialogar com temas religiosos e que tangem a compulsão pela perfeição e o desgaste da mente humana, também presentes nos seus últimos projetos, Cisne Negro e Noé, Aronofsky é bem sucedido ao instigar-nos à discussão e à fuga do lugar-comum.
Existe uma pequena passagem que para mim é desde já emblemática. Enquanto a pequena Diana assistia eufórica ao treino das demais Amazonas e empenhava golpes no ar, tamanha satisfação em vê-las, tornou-se clarividente a dimensão que Mulher-Maravilha alcançaria, sobretudo, diante das futuras gerações de meninas. Depois de tantos anos em que Hollywood abraçara os filmes de heróis com afinco em virtude de sua vocação fértil para o faturamento, apenas agora, tardiamente diga-se, pudemos encontrar pela primeira vez uma protagonista feminina deste nicho, e que assume integramente tal responsabilidade. Não obstante, me vem a mente que vivemos o contexto de discussão adequado para falar de representatividade.
Matthew Vaughn é um cineasta pelo qual tenho empatia, mesmo diante do que apresentou dentro deste universo fantástico, introduzido com Serviço Secreto. Uma das boas razões pelas quais me conecto a Kingsman é a sua proposta visual, que se aproxima do caricatural, mas que também adequa-se satisfatoriamente ao seu contexto narrativo, haja vista os excessos divertidos de pirotecnia e parafernália que os agentes lançam mão. Juvenil, inclusive nos seus momentos de valor questionável, concebo que a despretensão é o que o move, e que também é sua maior virtude.
Acabou. A Guerra representa o desfecho, possivelmente, da franquia mais consistente e madura da década. Durante alguns anos presenciamos como a vida de Cesar (Andy Serkis) se confundia com a trajetória da humanidade. Fruto de cobaias da pesquisa da cura do Alzheimer, tal chimpanzé representou um marco na evolução ao adquirir habilidades cognitivas para além de sua natureza ao passo que marcara também a disseminação de um vírus que dizimaria parte da humanidade. No presente contexto, no qual a diplomacia já não se sustenta, temos o cenário pós-apocalíptico à altura das ideias apresentadas em A Origem e em O Confronto: homens que disputam entre si e com os símios a soberania de sua espécie no planeta. Não deixa de ser irônico que os soldados da, digamos, resistência, sejam mais selvagens e, mais uma vez, não deixa de ser profundamente triste constatar isto.
Uma das boas características da reinvenção do universo cinematográfico dos heróis da DC está na força dos seus protagonistas. Ben Affleck, Gal Gadot e Henry Cavill foram enérgicos e tiveram carisma suficiente pra sustentar O Homem de Aço e Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, ambos dirigidos por Zack Snyder, e que introduziram estas novas aventuras compartilhadas no Cinema. Neste sentido, pelo que concebo, Esquadrão Suicida também herda esta impressão. De modo geral, os atores que compõem o núcleo central demonstram em cena interesse por suas histórias e realmente parecem se esforçar para conquistar seu espaço neste novo ambiente, e isso precisa ser enfatizado e valorizado. É uma pena, portanto, que os problemas evidenciem-se muito mais.
Quando escrevi sobre Eu, Daniel Blake destaquei a sensibilidade dos seus realizadores refletida na sua linguagem, isto é, nas estratégias utilizadas para contar aquela história. Agora, entendo também que, de certa forma, o diretor e roteirista Barry Jenkins compartilha dessa mesma fonte de inspiração, e vai mais além. Moonlight explora suas tragédias sociais com equilíbrio e as desenvolve de uma maneira cinematograficamente inteligível.
Os estilizados créditos iniciais de A Dama Fatal, além de belíssimos, transmitem uma ideia de fascínio sobre aquelas personagens. É como se desde já houvesse a intenção de torna-los míticos, como um honroso prenúncio das sagas malditas que continuariam. De fato, isto lhe é muito pertinente e revela também o reconhecimento do carisma deste projeto por parte dos seus realizadores, introduzido no Cinema quase uma década antes. É assim que Robert Rodrigues e Frank Miller nos reapresentam a cidade do pecado, nova adaptação da série de quadrinhos homônima criada por este último. Vigorosos, eles cumprem o desafio de percorrer o caminho que já fora pavimentado, e claro, refrescar o noir, da qual foi inspirado.
Submergido na catarse ao fim da seção, me recordo da exclamação que pronunciei como um sussurrar: de partir o coração. A introspecção revelada e diante da ficção que a pouco acabara de ser exibida surge da ciência de que, na verdade, Daniel Blake está vivo: no vizinho, na família, na quadra adiante. Eu, Daniel Blake concentra-se na austeridade do serviço público no trato com o cidadão que habita a periferia da produtividade; é estéril de sentimentalismo, mas fértil de sensibilidade.
A Chegada
Tenho estado em falta com a escrita. De fato, confesso que questões acadêmico-profissionais têm tido maior prioridade nesse momento, em vários aspectos. Todavia, também é notável que este aparente marasmo se deu (sobretudo) em função da pouca expressividade dos lançamentos comerciais dos últimos meses dos quais tive acesso; em sua maioria, são produções cínicas já identificadas e imersas no universo de outras tantas. Assim, foi com certo otimismo que recebi A Chegada e que reacendeu em mim o desejo de por fim a este hiato. Vou além, em face do cenário descrito e em contraposição a ele, dentre outras questões o que realmente me cativou foi seu impacto e sua habilidade de permitir-se ser identificado com alguns congêneres, talvez até inevitavelmente e de modo não surpreendente, mas sem jamais ser eclipsado e alcançando própria envergadura.
Batman vs Superman: A Origem da Justiça
De antemão, preciso compartilhar da dificuldade em iniciar este texto. Ela é fruto da linha tênue entre o interesse particular ao material original da DC e a frustração, enquanto observador da Arte, em constatar a fragilidade deste projeto, e que remete as palavras que introduziram meu texto de Praia do Futuro sobre estar atento ao referente sem violar a essência da crítica. Batman vs. Superman é refém da ambição de um roteiro mal feito de introduzir um universo fantástico mais amplo numa trama que não o cabe, e que certamente não deixa margem à interpretação diversa.
O Homem do Futuro
A viagem no tempo é um artifício já bastante explorado no Cinema, inclusive associado a distintos gêneros como ficção-científica, ação e comédia, para os quais podemos citar as franquias amplamente conhecidas De Volta para o Futuro de Robert Zemeckis, O Exterminador do Futuro iniciada por James Cameron e, mais recentemente, Meia-Noite em Paris de Woody Allen, por exemplo. Todavia, no portfólio doméstico, sobretudo, para comédias, estas “idas e vindas alucinantes” são uma novidade e podem estar associadas também à inspirações hollywoodianas, como já foi introduzido no meu texto de Mato Sem Cachorro. De fato, reforçamos junto ao O Homem do Futuro o feliz advento de um rompimento com as fórmulas popularescas tradicionais que dominam os principais títulos nacionais e que, além de bom gosto questionável, estas últimas mais adequam-se à linguagem televisiva do que a cinematográfica.
O Homem de Aço
Alfred Hithcock, Woody Allen, Quentin Tarantino e Terrence Malik são exemplos de cineastas que possuem uma virtuosa característica comum: em quaisquer de suas obras, somos capazes de reconhecê-los, enquanto diretores, tamanha a expressividade de suas assinaturas. Dito isto, o que me ocorreu quando surgiram os créditos finais de O Homem de Aço foi uma constatação inesperada, pois não é o diretor Zack Snyder que se sobressai, como seria natural. Com efeito, não me refiro a acrescentá-lo à lista acima, mas a estilização visual que marcou 300,Watchmen – O Filme e Sucker Punch – Mundo Surreal, por exemplo, é categoricamente modesta nesta oportunidade. Assim, do meu modo de ver, Christopher Nolan é quem carimba sua influência a partir de sua obsessão peculiar em preencher lacunas e responder os por quês. Mas, antecipo, é uma herança que se mostra incompatível com Superman.
Mato Sem Cachorro
Foi introduzida no texto sobre Praia do Futuro uma discussão sobre a habilidade de racionalizar as informações e os sentimentos a partir da experiência fílmica e transcrevê-la para a forma escrita. Não obstante, Mato Sem Cachorro, dirigido por Pedro Amorim, também me proporcionou relativa reflexão acerca desta questão. Mais especificamente, sobre a honestidade que se deve ter com quem busca uma interpretação objetiva sobre Cinema e que é elucidada pelo seguinte pensamento: apontar com ênfase os problemas é tão instigante quanto exultar as qualidades.

Praia do Futuro
Escrever sobre arte não é tarefa fácil. Independente da profundidade da obra em questão, é fato que nem sempre encontramos as palavras que melhor expressam nossa opinião. Com efeito, mesmo que argumentos técnicos, históricos e de linguagem sejam imprescindíveis a uma resenha, sobretudo, de Cinema, acredito que o olhar pessoal também precisa ser pontuado. Afinal, de que valeria a Arte se sucumbíssemos nossas aspirações e não pudéssemos absorver algo além da experiência puramente sensorial?

Lucy
A reflexão sensível e introspectiva de Amantes Eternos, na qual a paixão pela cultura e pelas artes são características intrínsecas às mentes evoluídas, e a fascinante abordagem de Contato, na qual a tecnologia e a ciência concedem uma jornada admirável pela mente humana e pelo universo, são exemplos que ratificam a pluralidade da observância da natureza e evolução do homem pelo Cinema. Em particular, introduzindo de modo oportuno uma questão existencial - “o que fazemos com a vida que nos foi dada há um bilhão de anos?” -, Lucy faz do fóssil humanoide um elo entre a ficção científica e a filosofia.

O Fantástico Sr. Raposo
Em geral, as fábulas nos recordam de um doce período de nossa vida – a infância. Esta mistura de pequenas rimas com a fantasia das histórias de animais e caçadores sempre soa familiar, e não por acaso, estão também associados a lembranças de momentos íntimos que dividíamos com nossos pais, avós ou com quem nos eram próximos. Neste ponto, O Fantástico Sr. Raposo consegue reunir com eficiência tais elementos, mostrando-se não só uma riquíssima adaptação de contos, mas também um refinado exemplar da 7ª arte.

O Hobbit: A Desolação de Smaug
Quando Peter Jackson assumiu o comando deste projeto (após a desistência de Guillermo del Toro), uma sucessão de decisões foram anunciadas. Dentre elas, que não seriam dois, mas três longas que adaptariam o livro homônimo de J. R. R. Tolkien, original de 1937. Com isto, surgiram muitos questionamentos sobre o rumo dessas adaptações; duvidava-se que o material original (com 296 páginas) teria enredo suficiente para dar suporte a tantos filmes. Afinal, qual a pretensão de Jackson com esta decisão?