
O Fantástico Sr. Raposo
The Fantastic Mr. Fox (EUA, 2009)
Em geral, as fábulas nos recordam de um doce período de nossa vida – a infância. Esta mistura de pequenas rimas com a fantasia das histórias de animais e caçadores sempre soa familiar, e não por acaso, estão também associados a lembranças de momentos íntimos que dividíamos com nossos pais, avós ou com quem nos eram próximos. Neste ponto, O Fantástico Sr. Raposo consegue reunir com eficiência tais elementos, mostrando-se não só uma riquíssima adaptação de contos, mas também um refinado exemplar da 7ª arte.
O enredo (inspirado na obra de Roald Dahl) acompanha o personagem-título, que após descobrir que sua namorada está grávida, abandona as aventuras e tornar-se colunista no jornal local. No entanto, depois de alguns anos vivendo em tocas e sob uma rotina regrada, o Sr. Raposo (Clooney) decide mudar-se com sua família para uma grande árvore cuja vizinhança é habitada pelos terríveis fazendeiros Boque (Hurlstone), Bunco (Guinness) e Bino (Gambon). Não conseguindo administrar seus impulsos, ele volta a realizar assaltos noturnos, provocando a ira dos fazendeiros e dando início a uma caçada que modificará a vida de todos os animais daquela região.
Esteticamente, o trabalho em stop motion surpreende pela expressividade que Wes Anderson consegue extrair daqueles bonecos. Com igual felicidade, o roteiro escrito pelo próprio Anderson e por Noah Baumbach é cuidadoso ao não transforma-los em criaturas inofensivas. Em vários momentos os animais exibem a sua selvageria natural (como realizando saques, brigando e até mesmo matando galinhas) e fazem uso das habilidades inerentes a sua própria espécie. Além disso, o roteiro também merece elogios por destacar o risco das aventuras, por não simular respostas fáceis aos dilemas individuais e por explorar como as consequências dos seus atos refletem nos relacionamentos.
- Raposas tradicionalmente gostam de perigo, de caçar presas e de superar os predadores. É nisso que sou bom! Acho que no final das contas, eu sou apenas...
- Eu sei, somos animais selvagens.
- Acho que sempre fomos.
- Prometo a você, que se tivesse de fazer isso novamente nunca a decepcionaria. Era mais divertido quando fazíamos isso juntos, de qualquer forma. Eu te amo.
- Eu também te amo. Mas não deveria ter casado com você.
A Sra. Raposo (Streep), por exemplo, exibe um sofrimento velado pelas renúncias que teve de fazer em prol de sua família e por não ver o mesmo comprometimento do seu marido. Perceba também como ela dedica-se à pintura de paisagens naturais, com raios, tempestades e furacões, o que é uma sutileza visto que indica um elo com seu passado.
Anderson utiliza a câmera subjetiva e a composição de um enquadramento aberto (destacando o ambiente ou o isolamento) com um plano fechado (próximo aos personagens) como recurso para nos aproximar daquele universo. O fato de constantemente o diretor construir seus quadros com os personagens centralizados e olhando para o espectador mostra-se uma decisão eficiente, pois passamos a “interagir”, e por vezes, somos levados a mergulhar completamente na história assumindo a visão de alguns deles.
O acabamento da produção vai mais além. Perceba como o Rato (Dafoe) e o vilão Bino usam apropriadamente camisas com a mesma estampa – donde passamos a atribuir inconscientemente as características do animal ao velho homem. Ash (Schwartzman) é retratado como jovem mal humorado e sem habilidades. Vestindo roupas e meias brancas – evocando sua fragilidade e os cuidados com que fora criado –, só após ganhar a atenção de seu pai, surge com uma expressão madura, sob ângulos baixos que lhe conferem grandiosidade. A partir de então, ele passa a protagonizar momentos heroicos, fechando assim um belo arco. Ademais, não deixa de ser curioso que o lobo visto ao final do filme é único animal selvagem sem roupa e cuja feição é desconhecida.
Jamais deixando de divertir, é uma grata surpresa que um projeto de caráter profundamente infantil mantenha tamanha coerência estética e narrativa, contrapondo-se inclusive ao cenário atual dos filmes de animação – cada vez mais histéricos e menos sofisticados. Bem elaborado a ponto de não transformar temas complexos em situações excessivamente dramáticas, a produção faz juz ao nome fantástico de seu carismático protagonista, que desde já está entre os personagens animados mais arrojados da década.
Campina Grande, 29 de dezembro de 2013.
Dirigido por Wes Anderson. Com George Clooney, Meryl Streep, Jason Schwartzman, WallyWolodarsky, Eric Anderson, Bill Murray, Robin Hurlstone, Hugo Guinness, Michael Gambon e Willem Dafoe.