
Praia do Futuro
Praia do Futuro (Brasil/ Alemanha, 2014)
Escrever sobre arte não é tarefa fácil. Independente da profundidade da obra em questão, é fato que nem sempre encontramos as palavras que melhor expressam nossa opinião. Com efeito, mesmo que argumentos técnicos, históricos e de linguagem sejam imprescindíveis a uma resenha, sobretudo, de Cinema, acredito que o olhar pessoal também precisa ser pontuado. Afinal, de que valeria a Arte se sucumbíssemos nossas aspirações e não pudéssemos absorver algo além da experiência puramente sensorial?
Neste sentido, a beleza de Praia do Futuro reside na elegância pela qual o cineasta Karin Aïnouz o conduz. Melancólico, o diretor emprega virtuosa semelhança com a obra intimista de Terrence Malick e valoriza o drama dos personagens e a construção de suas relações pela imagem, minimizando os diálogos. Assim, é imperativo que este longa só terá sobrevida aos que se permitirem guiar com os olhos da introspecção.
Ambientado na praia que intitula a obra, em Fortaleza, a narrativa tem início em uma tentativa de resgate de afogamento pela equipe de salva-vidas local. Desta ocorrência, o militar Donato (Moura) e o motoqueiro alemão Konrad (Schick) tornam-se íntimos e acompanhamos então este relacionamento que os levará a Berlin. Anos após sua partida, Ayrton (Barbosa), irmão de Donato, vai à Alemanha em sua busca.
De modo linear, o roteiro assinado por Felipe Bragança e pelo próprio diretor pode ser classificado como um estudo de personagem pois investiga com ênfase os bastidores da vida de Donato e como ele administra seus ímpetos e escolhas. Protagonizado por homens pouco abertos a demonstrar seus sentimentos e dispostos a sofrer veladamente, observamos que o desgaste emocional dialoga harmoniosamente com a fotografia gradual de tons quentes para tons frios. Além disso, o roteiro compartilha da credibilidade também presente em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, na qual a sexualidade dos personagens não é uma marca, evocando o amadurecimento do Cinema Nacional.
Perceba também como o design de som possui função narrativa relevante. A predominância de sons diegéticos (isto é, o som ambiente) auxilia a atenuar o isolamento dos personagens. Em contrapartida, nos poucos instantes em que utiliza-se a trilha incidental, ocorrem as tentativas de reação às aflições, extravasando o que lhes é íntimo, e sinalizando portanto a acuidade em sua concepção.
Em comunhão com as características aqui abordadas, as atuações vistas em Praia do Futuro revelam explicitamente como a introspecção determina o ganho artístico. Despindo-se do pudor e da vaidade, Moura e Schick merecem menção honrosa por distanciarem-se do overacting, permitindo que as nuances caracterizem suas composições. E mais do que isso, merecem menção também pela entrega à Arte, pela fundamental intimidade que têm em cena e pela coragem por tamanha exposição. Afinal, não sejamos hipócritas! Abraçar com afinco um projeto polêmico em potencial e de pouco prestígio, é uma algo gratificante e revelador ao meu modo de ver. Enquanto isso, Barbosa é enérgico e cativo.
Todavia, é provável que negligencie-se os apontamentos aqui descritos, nem todos sem razão. É preciso reconhecer que o cunho intimista cause inquietude aparente: há a possibilidade dele confundir-se ou associar-se à falta de ritmo, que seria demérito relevável. Além disso, a ausência de um desfecho mais contundente e claro reverbera negativamente nas palavras que encerram este projeto, enfraquecendo-as de significância e sutileza. De modo geral, mesmo diante da linha tênue entre estas interpretações, há o reconhecimento pelos elementos de linguagem e, que por si, já é palatável em demasia.
Brasília, 19 de maio de 2015.
Dirigido por Karin Aïnouz. Com Wagner Moura, Clemens Schick e Jesuíta Barbosa.