
Kingsman: O Círculo Dourado
Kingsman: The Golden Circle (Reino Unido/ EUA, 2017)
Matthew Vaughn é um cineasta pelo qual tenho empatia, mesmo diante do que apresentou dentro deste universo fantástico, introduzido com Serviço Secreto. Uma das boas razões pelas quais me conecto a Kingsman é a sua proposta visual, que se aproxima do caricatural, mas que também adequa-se satisfatoriamente ao seu contexto narrativo, haja vista os excessos divertidos de pirotecnia e parafernália que os agentes lançam mão. Juvenil, inclusive nos seus momentos de valor questionável, concebo que a despretensão é o que o move, e que também é sua maior virtude.
Mas deveríamos aceitar ser coibidos ao puro entretenimento? Deveríamos ser complacentes com a satisfação instantânea constantemente sugerida? Por que tantas vezes também não damos as mesmas concessões a obras de cunho contemplativo ou questionador? O fato é que não há mal na apreciação de qualquer que seja o estilo, e as ponderações acima definitivamente não acertam sobre isso. Mas O Círculo Dourado tem despertado em mim questionamentos, mantendo-me sobre uma linha tênue semelhante ao que me ocorrera também com o texto sobre Esquadrão Suicida, na qual, hoje, percebo um excesso de otimismo quando não deveria. Portanto, apesar de suas boas qualidades, registro que o filme que eu vi é melhor do que o filme que realmente foi feito.
Inspirado na HQ homônima criada por Mark Millar e Dave Gibbons, O Círculo Dourado acompanha os passos de Eggsy (Taron Egerton), que agora equilibra-se entre seus lados profissional e pessoal. Neste contexto, somos então apresentados a sádica e psicopata traficante Poppy (Julianne Moore), cujas drogas que já alcançam todo o mundo, agora causam efeitos colaterais mortais. Ela passa então a chantagear os governos em troca da liberação de um antídoto. Lançando também uma forte repressão sobre os agentes da Kingsman, que os desestrutura, Eggsy e Merlin (Mark Strong) buscam na agencia de serviço secreto americana Statesman aliados na luta contra este cartel. Nesta transição, surpreendentemente reencontram Harry (Colin Firth) vivo.
Vaughn investe novamente nas excentricidades que agora parecem surgir naturalmente. Dentre os acessórios, que majoritariamente fazem parte também do vestuário da moda masculina, as mais curiosas são o braço mecânico cuja mão pode ser arremessada como o martelo do Thor (que ganhou o pavoroso nome em português de armãogedon), o irresistível carro-submarino que lhe é muito conveniente, a pasta versátil, sobretudo quanto a lançar projéteis, e claro, o mortal laço de cowboy capaz de rasgar pessoas ao meio.
Outro aspecto positivo dentro desta linha de liberdades criativas diz respeito aos codinomes dos agentes da Stateman: são eles o Tequila (Channing Tatum), o Whiskey (Pedro Pascal) e o Champ (Jeff Bridges), que por si já revelam o suficiente sobre suas personalidades. Há também uma apropriada diferença entre as roupas utilizadas por estes agentes, identificados com o homem rural americano. Por fim, observo que Elhon John tem participação de maior destaque do que outras personagens possivelmente mais importantes, à priori, e cuja presença está também em paralelo ao que fora feito no filme anterior.
De modo geral, sublinho que estas decisões são a sua espinha dorsal. Claramente, sua linguagem foi elaborada a evidenciar a aventura e o entretenimento em detrimento da verossimilhança. A fórmula já estava pronta, então o que tínhamos de fazer é processar a adrenalina daqueles acontecimentos e aproveitá-los da maneira que nos conviesse, e até aqui tudo bem. O que nos traz, portanto, aos apontamentos que me deixam mais reticente.
Em alguns momentos me senti sabotado pelas acrobacias de luta, que por ora eram artificiais e excessivos até mesmo dentro desta proposta, como pode ser constatado na cena em que abre a narrativa. Além disso, há uma quantidade relevável de personagens que são abandonados/esquecidos de maneira muito gratuita. Todavia, como manter o interesse numa história em que os personagens vem e vão sem deixar marcas? Não seria o mesmo que ceifar nosso afeto? E o que falar da mais do que explícita e polêmica exploração do corpo feminino?
Passando ao quociente , o fato é que eu espera-se de Vaughn cenas tão excitantes quanto a do massacre da igreja ou da primorosa explosão das cabeças, ambas de Serviço Secreto, mas elas jamais se confirmam. Vaughn trilha pelo caminho pelo qual asfaltara, com menos vigor.
Por fim, destaco que Egerton surpreende e mostra carisma e emoção genuínos na sua composição através de pequenos gestos, estando inclusive mais à vontade com o posto de protagonista do que poderíamos supor, mas certamente é Firth quem detém a nossa intenção, e não por acaso. Sua autoridade enquanto belíssimo ator se faz notória e está à altura da propriedade que lhe é requerida por sua personagem. Observe também que a há uma expressiva dinâmica entre esta dupla, e o filme se beneficia muito com isso. Os demais atores, apesar de serem de muito prestígio, têm talvez muito pouco tempo para se dizer que foram marcantes, de algum modo.
Retifico que O Círculo Dourado se auto-impôs limitações, e se dispor a relevar os apontamentos discutidos até aqui não é uma opção. Para ser marcante, não é requerido ser profundo, ou difusor de problemáticas e situações controversas que não obstante demandam muito mais tempo a serem compreendidas, mas também não é necessário ir muito além para ver coisas melhores, inclusive, dentro do gênero ação.
Brasília, 11 de outubro de 2017.
Direção de Matthew Vaughn Reeves. Roteiro de Matthew Vaghn e Jane Goldman. Com Taron Egerton, Colin Firth, Mark Strong, Julianne Moore, Pedro Pascal, Channing Tatum, Jeff Bridges, Halle Barry, Edward Holcroft e Elthon John.
![]() | ![]() |
---|---|
![]() | ![]() |
![]() |