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A Chegada

Arrival (EUA, 2016)

Tenho estado em falta com a escrita. De fato, confesso que questões acadêmico-profissionais têm tido maior prioridade nesse momento, em vários aspectos. Todavia, também é notável que este aparente marasmo se deu (sobretudo) em função da pouca expressividade dos lançamentos comerciais dos últimos meses dos quais tive acesso; em sua maioria, são produções cínicas já identificadas e imersas no universo de outras tantas. Assim, foi com certo otimismo que recebi A Chegada e que reacendeu em mim o desejo de por fim a este hiato. Vou além, em face do cenário descrito e em contraposição a ele, dentre outras questões o que realmente me cativou foi seu impacto e sua habilidade de permitir-se ser identificado com alguns congêneres, talvez até inevitavelmente e de modo não surpreendente, mas sem jamais ser eclipsado e alcançando própria envergadura.

Dito isto, para evitar o máximo de obscuridades, vamos primeiramente nos ambientar. O roteiro é de Eric Heisserer (inspirado no conto Story of Your Life, de Ted Chiang), e a direção é de Denis Villeneuve.

 

Em poucas palavras, A Chegada é centrada na linguista Louise (Amy Adams) a partir do momento que é recrutada por militares para integrar uma força tarefa local tendo como objetivo estabelecer algum tipo de contato com extraterrestres, ditos heptopodes, que surgiram em doze locais ao redor da Terra. Para tanto, é auxiliada pelo físico teórico Ian (Jeremy Renner), supervisionada pelo oficial militar Weber (Forest Whitaker), e encontra na linguagem gráfica o estreitamento ente a comunicação. Ao passo em que mergulha e avança na pesquisa, Louise também declina em resposta a dolorosas projeções de sua vida.

 

Estamos, portanto, discutindo um tipo clássico de sci-fi, que habita na imaginação do homem e que também tem frequentado o Cinema em distintos gêneros e estilos. Mas podemos ser mais específicos e deixar à margem de nossa discussão as inúmeras referências que tratam de confrontos ou das que buscam desvendar os mistérios do universo. De fato, não é disso que A Chegada se trata.

 

Por sua posição histórica, é inevitável dissocia-lo de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, dirigido por Steven Spielberg em 1977, e Contato, dirigido por Robert Zemeckis em 1997, que detém meu completo fascínio. Neste sentido, eu diria que A Chegada está, portanto, a meio caminho de ambos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Orgânico, temos uma discussão cerebral e didática (para dizer o mínimo) sobre processos de tradução, construção de alfabetos, e metodologia no que se refere ao protecionismo e diplomacia. Afinal, a grande interrogação é saber quais seus objetivos aqui. Fica evidente, então, a dimensão e a responsabilidade de apresentar respostas à altura de sua premissa. Felizmente, elas não são apenas convincentes, mas emocionantes; e ao seu modo, mantém a história, a narrativa e a linguagem (através da sua estrutura) como uma tríplice que se unifica a partir da simbologia cíclica presente nestes elementos.

 

Villeneuve mantem sua cartilha na arquitetura das sequências, otimizando o suspense e a tensão, vide Sicario – Terra de Ninguém. Façamos uma análise do segmento inicial, tendo como referência Louise e a nave: a) o figurino escuro, materializando sua personalidade; b) o tempo nublado e a neblina, atenuando o fator inóspito; c) fotografia fria e “suja”; e d) grandes planos (aéreos), destacando a vulnerabilidade humana (e a ambientação). Com isto, Villeneuve estabelece suas regras, fazendo uso destas ferramentas fílmicas como metáforas, e que por si já desenham a personagem de Adams. Além disso, outra observação importante é a ciência de que tememos muito mais aquilo que desconhecemos. Em certo momento, bem no início, Ian indaga a outro agente como é estar naquele lugar e como são os aqueles seres, recebendo a arrepiante resposta: você logo saberá!

 

Explico melhor. O diretor não nos apresenta com antecedência o que está por vir. Na verdade, sequer sabemos como os E.T. se estabeleceram (numa espetaculosa chegada, talvez, como seria irresistível noutras circunstâncias; mas divago). Somos coagidos a visualizar a colossal estrutura, introduzir a ela e conhecer os hetapódes na mesma oportunidade de Louise. Isso nos projeta à protagonista no sentido que a sua descoberta e a nossa se confundem, que é excitante.

 

Ainda sobre a técnica, a fotografia permanece com as características supracitadas até o fim, a menos dos fragmentos da protagonista com sua filha, onde dá lugar aos tons quentes, ao uso de cores (o filme é quase estéril delas), que comungam com a memória naturalista daquelas imagens. O design das criaturas também me agradou. Sobre o elenco, Renner e Whitaker são meros coadjuvantes. Adams (como lhe é habitual) sobra em talento e é o centro absoluto de A Chegada, tendo talvez seu melhor e mais complexo papel. (Como ela consegue ser tão adorável?)

 

Por fim, menciono que o sci-fi tem estado em voga no recente retrospecto da última década com grandiosas produções de DNA semelhante, vide Interestelar, do Christipher Nolan. Entretanto, dentre estas penso que se aproxima mais de Sob a Pele, dirigido por Jonathan Glazer, por serem minimalistas, trágicas ao seu modo, e mais comprometidas com as ideias. São longas que agigantam-se quando dissecados e são trampolim para outros tipos de discussão, possivelmente filosóficas ou antropológicas.

 

Se os termos linguagem e comunicação foram palavras-chaves que encontrei para nortear este texto, ora, por que não também fazer uso da metalinguagem? Por que não usar a arte enquanto se fala dela? Por que não associar a sala de Cinema à peculiar câmara escura da qual presenciamos. Ambas ganham vida através de uma tela branca central em um espaço de tempo e permitem o diálogo e a transmissão de conhecimento: no primeiro caso, entre nós e o universo ficcional; noutro, entre Louise e os hept0podes. Como dissocia-los ainda da folha em branco com a qual me debrucei ao presente texto que estabelece também uma ponte entre você e eu?

 

Brasília, 10 de dezembro de 2016.

Direção de Denis Villeneuve. Roteiro de Eric Heisserer . Com Amy Adams, Jeremy Reener e Forest Whitaker.

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