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Lucy

Lucy (França, 2014)

 

A reflexão sensível e introspectiva de Amantes Eternos, na qual a paixão pela cultura e pelas artes são características intrínsecas às mentes evoluídas, e a  fascinante abordagem de Contato, na qual a tecnologia e a ciência concedem uma jornada admirável pela mente humana e pelo universo, são exemplos que ratificam a pluralidade da observância da natureza e evolução do homem pelo Cinema. Em particular, introduzindo de modo oportuno uma questão existencial - “o que fazemos com a vida que nos foi dada há um bilhão de anos?” -, Lucy faz do fóssil humanoide um elo entre a ficção científica e a filosofia.

 

Assim, mesmo que fecundo, é inevitável que nos questionemos se o diretor e roteirista Luc Besson – cujo trabalho de maior crédito seja o virtuoso O Profissional - teria habilidade em reunir elementos tão diversos.

 

A narrativa tem início na China, quando Lucy (Johansson) vê-se raptada pelo mafioso Sr. Jang (Choi Min-Sik) em virtude da posse de uma mala que contém uma nova droga. Essa substância, chamada de C.P.H.4., é introduzida em pacotes plásticos em seu ventre a fim de enviá-la à Europa para comercializá-la ilegalmente. No entanto, a jovem expõe-se a altas doses do produto, causando-lhe efeitos colaterais inesperados. Enquanto isso, em Paris, o Professor Norman (Freeman) profere uma conferência sobre a capacidade cerebral e o processo evolutivo dos seres humanos.

 

Desta premissa, o discurso promissor de Norman ancorado na sutil diferença entre obter e adquirir habilidades à luz da ótica temporal converte-se a teorias de polidez modesta, na qual discute-se a possibilidade de controlar outras pessoas, e mais adiante, controlar a matéria conforme a conquista da capacidade cerebral além dos 15%.

 

Por um lado, o roteiro apresenta economia de informações, que é bem vindo pois permite efetivamente nossa contribuição para o entendimento da obra, mas por outro lado revela-se mal sucedido ao estupidamente promover o Sr. Jang a antagonista, que é a sua maior fragilidade. Observe como esta promoção além de injustificável – já que diante dos fatos ele pouco perigo pode oferecer à protagonista -, também advoga contra o filme, pois ocorre em detrimento da temática identificada na descrição inicial.

 

Com efeito, a busca pela compreensão de nossa natureza, por aperfeiçoar as novas habilidades e até mesmo que tipo de anomalia social o uso do C.P.H.4 poderia nos submeter são outras indagações suscitadas e ignoradas pelo cineasta, e que, para mim, são um exercício intelectual mais relevável do que acompanhar os personagens de Choi Min-Sik e Waked.

 

Não obstante, esta esquematização prejudica também o desempenho dos atores.  Johansson mantem-se predominantemente inexpressiva, e sua personagem oscila por fim entre uma versão feminina de Dr. Manhattan do Alan Moore e a heroína Alice do Paul W. S. Anderson. Ademais, Norman transmite autoridade justificada apenas pela escolha de seu intérprete – logo, uma escalação inteligente.

 

Portanto,  nem ciência,  nem antropologia ou filosofia. Caduco de criatividade, constata-se que Lucy é mais competente pelas ideais que desperta, e jamais pelo que de fato apresenta.

 

Todavia, o diretor é sagaz ao conferir agilidade a esta produção. Auxiliado pela curta duração e por pontuais sequências de ação burocráticas e bem executadas, Besson demonstra sua regularidade ao imprimir urgência nos acontecimentos vistos em cena, criando também uma atmosfera de tensão e excitando nossa curiosidade sobre o destino de sua personagem central. Assim, podemos selecionar Lucy no nicho dos filmes promissores que possuem elementos interessantes, mas que dificilmente será reconhecida alguma vanguarda.

 

Merecendo demérito pela associação prosaica entre o rapto de Lucy e um animal subjugado por seus predadores ainda no início da projeção, o longa diverte, mas não faz jus a sua aparente ambição e mantem-se à margem entre seus congêneres. E se a sabedoria é fruto indissolúvel de uma mente evoluída, infelizmente, ao final de sua trajetória não reconheço em Lucy a supremacia que deveria estar em voga.

 

Brasília, 26 de fevereiro de 2015.

 

 

Dirigido por Luc Besson. Com Scarlett Johansson, Morgan Freeman, Choi Min-Sik e Arm Waked.

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