
O Hobbit: A Desolação de Smaug
The Hobbit: The Desolation of Smaug (EUA/ Nova Zelândia, 2013)
Quando Peter Jackson assumiu o comando deste projeto (após a desistência de Guillermo del Toro), uma sucessão de decisões foram anunciadas. Dentre elas, que não seriam dois, mas três longas que adaptariam o livro homônimo de J. R. R. Tolkien, original de 1937. Com isto, surgiram muitos questionamentos sobre o rumo dessas adaptações; duvidava-se que o material original (com 296 páginas) teria enredo suficiente para dar suporte a tantos filmes. Afinal, qual a pretensão de Jackson com esta decisão?
A primeira resposta veio com o irregular Uma Jornada Inesperada. A euforia que desejámos sentir no retorno à Terra-Média, na verdade, fora ofuscado por um roteiro problemático que sequer buscou desenvolver algum traço de personalidade em seus protagonistas ou trazer novos elementos aquele universo. Mais do que isso, tínhamos a sensação de estarmos num grande déjà vu. Infelizmente, Jackson comete novamente tais erros em A Desolação de Smaug.
Este capítulo continua a jornada de Bilbo (Freeman), Gandalf (McKellen) e dos 13 anões, liderados por Thorin Escudo-de-Carvalho (Armitage), até a Montanha Solitária. No entanto, após serem auxiliados pelo troca-pele Beorn (Persbrandt), a comitiva precisa agora seguir pela Floresta das Trevas sem o mago, que decide investigar uma possível ameaça vinda das ruínas de Dol Guldur.
Beneficiado pelo incorrigível design de produção, o filme mantém o alto padrão dos longas anteriores, cuja acuidade é evidente diante dos imponentes cenários (com absoluto destaque à imensa escada aos pés da montanha). Neste episódio passamos a conhecer os grandes salões ocultos do reino élfico; a densa Floresta das Trevas, bela em sua estrutura desorganizada com árvores retorcidas – cuja trilha agrega o tom de fábula presente na obra literária –, e a igualmente fascinante Cidade do Lago, construída sob estacas de madeira e cuja pobreza é atenuada pela ausência de cores nas construções e no figurino de seus habitantes.
Fazendo menção também aos efeitos de computação gráfica da sempre competente Weta Digital, o universo recriado pelo diretor é encantador. Porém, buscando talvez atribuir uma maior significância as aventuras dos numerosos viajantes, Jackson peca pela economia nos cortes, tornando algumas cenas demasiadamente longas (a exemplo da fuga dos anões pelo rio e a sequência com Smaug). Conferir longevidade a estas cenas acarreta pelo menos duas consequências óbvias: 1) tornam-nas enfadonhas e repetitivas; e 2) expõe as tentativas (fracassadas) de imprimir o tom épico à narrativa.
Com isto, outras fragilidades evidenciam-se. Há uma falha na estrutura do enredo, haja vista que não possui nem clímax e nem desfecho. Também há excesso de personagens com pouca ou nenhuma relevância – explicitamente, Radagast (McCoy), Alfrid (Gage), Legolas (Bloom), Tauriel (Lilly, belíssima), Beorn e o Mestre (Fry) –. Ademais, por estarem constantemente amontoados, os anões continuam a ser desconhecidos. Perceba como não conseguimos identificar quem é quem e como a artificialidade com que buscam seus ideais prejudicam nossa afeição por eles e o nosso interesse pela história.
Ironicamente, se na literatura Smaug nos seduzia com sua identidade demoníaca, o dragão de Jackson é mais assustador dormindo do que acordado. Por mais que a dublagem pausada de Benedict Cumberbatch mereça créditos, é triste observar como o roteiro insiste em torna-lo menos inteligente e sagaz do que os anões, transformando-o de modo irreversível numa figura desinteressante e tola.
Igualmente aterrador é não compreendermos com clareza os planos de Thorin. E neste sentido, é inconsistente a preocupação dos anões em adquirir espadas e machados, uma vez que têm ciência de que com estes instrumentos jamais derrotariam Smaug. Mas talvez sejam questionamentos muito sofisticados para um roteiro que, escrito a oito mãos, transforma um evento entre um anão e um porco em algo grandioso.
Até que finalmente chegamos a Bilbo, que deveria ser a figura central desta obra.
Fazendo uma inevitável analogia a O Senhor dos Anéis, Elijah Wood naquela oportunidade demonstrava a confusão mental de seu personagem sem soar piegas. De um jovem alegre e ingênuo no início de A Sociedade do Anel até a figura moribunda de O Retorno do Rei, Frodo exibia nuances que nos convenciam da obsessão e da árdua responsabilidade que o portador do Um Anel enfrentaria, e que foram fundamentais para tornar aquela história tão bem-sucedida.
Aqui, Bilbo exibe um heroísmo bem mais modesto. Freeman, aliás, investe em gracejos como principal muleta, que me deixa reticente. E para que se crie a falsa ideia de que algo em sua personalidade fora modificado, é preciso que outro personagem verbalize este sentimento. Mas, aparentemente, só Gandalf está convencido disso.
O fato é que após injustificáveis 330 minutos, continuamos sem saber, de fato, quem Bilbo é e o por que de sua eleição como membro desta jornada. E neste caso, me pergunto se estes são apontamentos toleráveis para caber em um projeto chamado O Hobbit.
Campina Grande, 21 de dezembro de 2013.
Dirigido por Peter Jakcson. Com Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Ken Stott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Dean O'Gorman, Aidan Turner, John Callen, Peter Hambleton, Jed Brophy, Mark Hadlow, Adam Brown, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Lee Pace, Mikael Persbrandt, Sylvester McCoy, Luke Evans, Stephen Fry, Ryan Gage e Benedict Cumberbatch.