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Sin City: A Dama Fatal

Sin City: A Dame to Kill For (EUA, 2014)

Os estilizados créditos iniciais de A Dama Fatal, além de belíssimos, transmitem uma ideia de fascínio sobre aquelas personagens. É como se desde já houvesse a intenção de torna-los míticos, como um honroso prenúncio das sagas malditas que continuariam. De fato, isto lhe é muito pertinente e revela também o reconhecimento do carisma deste projeto por parte dos seus realizadores, introduzido no Cinema quase uma década antes. É assim que Robert Rodrigues e Frank Miller nos reapresentam a cidade do pecado, nova adaptação da série de quadrinhos homônima criada por este último. Vigorosos, eles cumprem o desafio de percorrer o caminho que já fora pavimentado, e claro, refrescar o noir, da qual foi inspirado.

Como você provavelmente bem sabe, noir não é um termo aplicado com frequências ao que vemos por aí. Em síntese, por assim dizer, o noir foi um estilo de linguagem comum no cinema norte-americano durante as décadas de 1940 e 1950, época em que houve migrações de cineastas europeus para os EUA em virtude da Segunda Guerra Mundial, e que, em especial, teve A Relíquia Macabra (O Falcão Maltês) como seu primeiro grande sucesso.

O noir tem características muito bem definidas, e isso permite identifica-lo com certa facilidade. Do ponto de vista narrativo, temos as famosas mulheres fatais, que deixam todos os homens aos seus pés, e também temos o que poderíamos chamar de heróis cínicos, aqueles “mocinhos circunstancias” que na verdade não estão em nenhum lado da lei. Além disso, em geral, esses filmes são ambientados em cenários urbanos noturnos e inspirados em romances policiais e histórias que envolvem corrupção. Do ponto de vista estético, o noir tem raízes no expressionismo alemão (leia-se valorização da subjetividade) do qual foi herdado o forte contraste entre tons, o jogo de sombras, o uso de ângulos baixos e ângulos inclinados e também os primeiros planos (aqueles enquadramentos próximos aos rostos).

Posteriormente, esta linguagem influenciou fortemente outras obras, das quais podemos citar Uma Cilada Para Roger Habit, Chinatown e Los Angles: Cidade Proibida, os quais podem ser tratados, portanto, como neo-noir, já que têm também outras característica agregadas, como por exemplo as cores.

Aqui, novamente acompanhamos três narrativas sangrentas e que têm interseção entre si. Após a morte de John Hartigan (Bruce Willis), a dançarina Nancy Callahan (Jessica Alba) declina em desequilíbrio ao passo procura vingança sobre o Senador Roark (Powers Boothe). Enquanto isso, Dwight (Josh Brolin) busca o apoio de Gail (Rosario Dawson) para enfrentar a sedutora Ava (Eva Green), um grande amor do passado e que mais uma vez o devastou. Em paralelo, o jovem Johnny (Joseph Gordon-Levitt) chega à cidade a fim de mostrar seu talento no pôquer diante de figurões poderosos.

Os elementos fílmicos supracitados estão naturalmente presentes em A Dama Fatal. Assim, qual seria o grande diferencial da proposta empregada por Rodriguez e Miller? Te digo: o conceito. O filme foi todo rodado em um estúdio verde, e a fotografia e os ambientes de modo geral foram inseridos na pós-produção. Esta é a melhor das decisões porque verossimilhança não é o objetivo aqui. Toda a arte do filme é voltada ao surreal e o impacto visual, e esta proposta lhes permite "brincar" com a realidade tanto quanto queiram, o que indica também sua forte ligação com o material original dos quadrinhos e a influência, num certo sentido, de Quentin Tarantino (que dirigiu inclusive uma cena macabra no longa anterior).

O design de produção faz bom uso dessa proposta, equilibrando-se com as sutilezas. Explico melhor. Ele diverte pelo exagero gráfico, mas também nos brinda com momentos de destacada qualidade artística. Vale mencionar aqui o plano com o Senador Roark, em que as pilhas de moedas sobre a mesa de pôquer assemelham-se aos prédios de Sin City, que por si já é evocativo. Vale mencionar também as sombras das persianas no quarto de Dwight (metáfora da sua condição prisional) e o enquadramento de topo do quarto de Nancy (compressão da inquietude) como momentos de menor ênfase.

Mas, claro, estes estarão a posteriori menos frescos em nossa mente do que os planos sensuais envolvendo Ava em uma piscina, que surgem como fragmentos psicodélicos, e que do ponto de vista estético, são também o ponto mais alto deste projeto. Neste sentido, Green faz jus ao posto de protagonista, por assim dizer, exalando enigmáticos charme e firmeza, o que não deixa de ser curioso, já que, constantemente vista com pouca ou nenhuma roupa, ainda assim, sua personagem mantém-se dominante em relação as outras, corrompendo-as calculadamente. A força de Green realmente move o filme.

E, portanto, voltamos mais uma vez a velha questão que na verdade aplica-se a maioria dos que pertencem a alguma franquia: parecer novo fazendo do mesmo. Não quero dizer que o fato de ser continuação deva ser determinante para reutilizar as estratégias já empregadas e justifique, de certo modo, uma possível incompetência. Mas, dada a sua natureza peculiar (que aplica o noir a outra estética igualmente atraente), a ideia que concebo é que A Dama Fatal é criativo o bastante para ficar excessivamente a sombra do anterior. Ainda que aquele frisson de algo novo realmente não tenha, a narrativa alimenta suficientemente nossa excitação pelas histórias e por seus desfechos, e que de outra forma, do meu modo de ver, isto sim sucumbira-o à adjetivação de puro estilo, e nada mais.

Brasília, 3 de março de 2017.

Direção de Robert Rodriguez e Frank Miller. Roteiro de Frank Miller. Com Eva Green, Jessica Alba, Josh Brolin, Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis, Rosario Dawson, Powers Boothe e Mikey Rourke.

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