
Batman vs Superman: A Origem da Justiça
Batman v Superman: Dawn of Justice (EUA, 2016)
De antemão, preciso compartilhar da dificuldade em iniciar este texto. Ela é fruto da linha tênue entre o interesse particular ao material original da DC e a frustração, enquanto observador da Arte, em constatar a fragilidade deste projeto, e que remete as palavras que introduziram meu texto de Praia do Futuro sobre estar atento ao referente sem violar a essência da crítica. Batman vs Superman é refém da ambição de um roteiro mal feito de introduzir um universo fantástico mais amplo numa trama que não o cabe, e que certamente não deixa margem à interpretação diversa.
Escrito por Chris Terreo (ganhador do Oscar por Argo) e do já veterano de adaptações David S. Goyer, a história desenvolve-se a partir do momento em que os poderes do Superman (Henri Cavill) são apresentados ao mundo, isto é, no seu confronto com o General Zod - que foram vistos durante o terceiro ato de O Homem de Aço -, mas desta vez sob a perspectiva dos que se encontram em Metrópolis naquele momento, em especial, do destemido e enfurecido Bruce Wayne (Ben Affleck). Este último, que há 20 anos tem lutado contra o crime em Gothan sob a identidade de Batman, passa então a questionar ideológica e comportamentalmente os perigos de estar à mercê do homem-que-veio-do-céu. Assim, investigando a empresa do jovem cientistas Lex Luthor (Jesse Eisenberg), Wayne descobre a existência de um material nocivo aos kryptonianos, com o qual passa a enfrentar o Superman a fim de resguardar a humanidade.
Minha leitura sobre a estratégia dos roteiristas na apresentação dos personagens e da problemática é otimista, pois são econômicos ao considerarem acertadamente que já estamos bastante familiarizados com este universo e fazem, por assim dizer, bom uso dessa memória.
A novidade é a brutalidade e intolerância de um Batman exausto e desiludido com a justiça num contexto de corrupção, sobretudo, envolvendo corporações (no caso, a LEXCORP) e o governo, e que talvez tenha inspiração no arco O Cavaleiro das Trevas, de 1986, de Frank Miller. Claro que estas características não o torna exatamente profundo, mas sim, curioso e o mínimo distante das adaptações estreladas por Christian Bale. Em resposta, Superman é até mesmo mais interessante do que no filme anterior. Seus conflitos acerca de sua natureza sobre-humana (e sua “responsabilidade” com a paz mundial) em face ao seu desejo de ser comum são sutis e bem postas, tornando-o um messias paradoxal. Na verdade, é sobre esta perspectiva que o diretor Zack Snyder aposta, possivelmente inspirado no arco Precisa Haver um Superman?, de 1972, de Elliot S. Maggin: questionar sua inimaginável coexistência e utilizá-lo como elemento unificador para restaurar a esperança.
Posto, digamos, esta adversidade natural, no terço médio Batman e Superman tornam-se também protagonistas de uma discussão midiática acerca da manipulação de informação e da opinião popular. Logo, a aparente sobriedade da trama revela-se compatível com a narrativa e demonstra o potencial deste enredo. Afinal, um olhar menos apaixonado ao que já se é amplamente conhecido das publicações da DC, e portanto aberto ao que de fato Snyder propõe, eleva nossa análise e evidencia as linhas criativas de seus realizadores.
Todavia, o que não se revela de acordo é a falta de aprofundamento destas boas ideias, das demais subtramas e até mesmo das personagens. Neste sentido, o próprio antagonismo de Luthor é eclipsado, mesmo sendo no fim das contas o principal responsável por estimular o duelo fatídico. O que é evidente é apenas a fuga de seu centro na busca de introduzir o universo da Liga da Justiça.
Reconheça-se que esta necessidade parece ser inteiramente um reflexo da atual situação mercadológica atual de Hollywood. Por exemplo, temos a participação da Mulher Maravilha (Gal Gadot) que não contribui à dinâmica do conflito pretérito, que é pouco marcante (no sentido que não há uma grande revelação sobre si) e que endossa o viés episódico da trama (como parte de uma esdrúxula corrente em que um filme não tem fim em si, apenas como prelúdio de algum posterior). Há muitas perguntas levantadas sem resposta. Ademais, o desfecho do embate é tomado por conveniências, para fazer uso de eufemismos. Assim, por mais que tenha elementos interessantes, A Origem da Justiça compartilha da autossabotagem que também adjetivou O Homem de Aço.
Mas estamos falando de uma produção de orçamento colossal e que se faz evidente pelo que é visto. Desde os figurinos elegantes, passando pelo design de produção, donde podemos destacar a nova batcaverna (com arquitetura moderna e distinta das demais) e à concepção do traje dos heróis (em especial, a armadura do Batman, que é uma novidade em relação à todas as suas versões para o cinema) até recair nos efeitos visuais, que impressionam pela escala e que são melhores do que os vistos no último filme de Snyder.
Este último volta a fazer um trabalho pouco desafiador cuja assinatura pode apenas ser identificada a partir do simbolismo ufanista que lhe é peculiar e jamais pelas sequências de ação, que aqui são boas e numerosas. Também há a falta de criatividade em introduzir mais cores além da paleta em tons sombrios que observamos. De fato, no meu modo de ver, Snyder não teve a personalidade que o destacou como visionário por Watchmen, o que torna seu trabalho menos interessante. Afinal de contas, estamos discutindo um filme que reúne meta-humanos (autointitulados) vindos de outros planetas e vigilantes mascarados, e portanto, é insustentável dissociar de sua parcela fantástica.
De modo geral e diante do que foi levantado, acredito que falta bom humor nos diálogos (que é completamente diferente de fazer piadinhas), falta a leveza das cores (que estão em oposição aos tons excessivamente escuros que agridem nossos olhos), e portanto, falta inteligência. Acredito ainda que Batman e Superman estão representados de uma forma a romper com suas características mais universais, e que exatamente por investir nesta abordagem mereçam um pouco mais de respeito e lucidez quanto as críticas.
É preciso ter a ciência de que numa crítica, opiniões movidas puramente pela opinião e sentimento pessoal são úteis tão somente a uma única pessoa.
Com menção a performance enérgica de Ben Affleck, Batman vs Superman inaugura a era do embate entre heróis no Cinema, mas é melhor em seu conceito do que em sua execução. Ainda que eu tenha profunda empatia pelos heróis da DC e o contexto da Liga, que inclusive induzem meu lado cinéfilo a desconsiderarem o peso de algumas das faltas apontadas, é preciso ser comedido. Não é um desastre, mas é bem menos impressionante do que se supunha. Ao menos, certamente a sequência em que ambos os heróis surgem imponentes com seus trajes pela primeira vez será dificilmente apagada da memória cinéfila associada ao seu nicho.
Ainda assim, o alvorecer da justiça no Cinema é como uma manhã de segunda-feira.
Campina Grande, 5 de agosto de 2016.
Dirigido por Zack Snyder. Roteiros de Chris Terreo e David S. Goyer. Com Henri Cavill, Ben Affleck, Gal Gadot, Jesse Eisenberg, Amy Adams, Holly Hunter e Laurence Fishburne.