
Moonlight: Sob A Luz do Luar
Moonlight (EUA, 2016)
Quando escrevi sobre Eu, Daniel Blake destaquei a sensibilidade dos seus realizadores refletida na sua linguagem, isto é, nas estratégias utilizadas para contar aquela história. Agora, entendo também que, de certa forma, o diretor e roteirista Barry Jenkins compartilha dessa mesma fonte de inspiração, e vai mais além. Moonlight explora suas tragédias sociais com equilíbrio e as desenvolve de uma maneira cinematograficamente inteligível.
De modo bem particular e de antemão, confesso que me mantenho reticente em relação a outros projetos com viés semelhante a este, inclusive fora do Cinema. Todavia, distancio-me da direita intolerante que frequentemente promove o descrédito e o desprestígio para este nicho. Não entro no mérito do quanto pode ser relevante, mesmo porque esta ponderação é inútil, mas sim no mérito da sutileza – que efetivamente é o termômetro de quanto se é artificial.
Felizmente, e talvez esta seja a primeira ideia que racionalizei, temos aqui uma distinção que elimina vestígios dessa indesejável inclinação caricatural, que é exatamente o que me desagrada. As personagens que habitam essa história, por mais trágicas e moralmente corrompidas que sejam, assumem ser quem são, com suas falhas e seus dessabores, não sendo “vítimas das circunstâncias”. Essa lucidez, diga-se, fomenta a nossa empatia por elas porque validamos suas auto-inquisições ao passo que lhes concedemos misericórdia também.
E de fato, empatia é a palavra-chave que melhor define este projeto. Moonlight é um relato sobre a solidão e o sequestro da subjetividade. Investiga com maior ênfase a desconstrução da identidade de modo sugestivo e orgulha-se dessa introspecção requerida também por parte do expectador. “Quem é Chiron?” é o seu cerne, no qual pouca coisa lhe é explícita. Assim, o que permeia as ponderações sobre questões como raça, homossexualidade e tráfico, por exemplo, estão apenas num subcontexto e, portanto, têm importância pontual (algo que, inclusive, a direita intolerante parece ignorar).
Agora, você pode se perguntar se toda a reflexão sugerida até então sobre introspecção e subjetividade cabe tão somente a mim. Afinal, e com justificada razão, estão conectadas ao meu referente, ainda que não estejam exatamente subordinadas a ele. Assim, vamos recrutar um pouco da objetividade (já que da filosofia poderíamos discorrer suas profundas implicações no estudo das relações humanas e da máxima Freudiana, que não é o propósito deste texto). A grande revelação é que, como destaquei na introdução, Moonlight equilibra-se entre seus aspectos narrativos e visuais. E sobre este último, quero registrar mais precisamente os seus enquadramentos e a sua fotografia.
Um fato. Ao longo de todo o filme, personagens são enquadradas frontalmente na tela de modo centralizado enquanto dialogam com Chiron nos chamados planos em primeira pessoa. Com isto, Jenkins oferece silenciosamente várias interpretações, mas possivelmente todas elas transmitem a discussão acima. “As pessoas o encaram, mas não o entendem”, ou, de outro ponto de vista, “as pessoas o enfrentam e o intimidam”. Noutros momentos, a exemplo do primeiro capítulo, por assim dizer, isto é acrescido de uma leve inclinação para cima, que determina o bullying sofrido por ele e o seu estado de sufocamento diante de tudo que o cerca.
Isto nos leva a falar também do bom trabalho da direção de atores. Observe que, por exemplo, mesmo adquirindo grande estatura física na juventude, Chiron mantém-se retraído, cabisbaixo. Um casamento bem sucedido da linguagem corporal com o que foi construído até então. Ademais, confesso que, de modo geral, as interpretações elevam o filme. Como destaque, seleciono Naomie Harris pela sua força cênica, pelo domínio da sua imagem e claramente por sua total entrega ao projeto. Na verdade, foi uma grata surpresa também, haja vista que só a reconheci por sua peculiar personagem na franquia Piratas do Caribe. Mahershala Ali, afetuoso, também deixa sua digital.
O outro aspecto técnico a ser mencionado é a fotografia. Em cada um dos capítulos há o emprego de uma temperatura diferente que vai do tom frio (paleta azulada), no primeiro, ao tom quente (paleta alaranjada), no último. Além disso, noutros momentos ela também se faz notar. Tomemos como exemplo a precária relação de Paula com seu filho. Ora surge sob uma combinação de roxo e esmeralda (tons clássicos para o fúnebre) – enquanto profere palavras de ódio (em mais um daqueles planos em primeira pessoa supracitados), ora surge sob uma luz vermelha (tom clássico também para o perigo) – logo após se prostituir a fim de manter o vício por drogas. Existem também alguns detalhes e objetos que são recorrentes com a mesma cor. Este estudado design conecta com elegância os vários segmentos da narrativa. É evocativa por si e propõe uma leitura acessível. Nesse sentido, Jenkins é tão didático quanto possível.
Inspirado na peça teatral “Sob a Luz da Lua, Garotos Negros Parecem Azuis”, de Tarell Alvin McCraney, que talvez justifique os seus bons diálogos, Jenkins nos reeduca enquanto cinéfilos. E apesar de toda dor velada, Moonlight renova a esperança. Ao fim de tudo, regressamos à infância de Chiron num momento de encontro com o mar. A água é o símbolo universal da renovação, do renascimento. E assim, plácido nos braços de seu amigo, também somos acolhidos pela humanidade que desperta.
Brasília, 14 de abril de 2017.
Direção e roteiro de Barry Jenkins. Com Alex R. Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Mahershala Ali, Naomie Harris, Janelle Monáe, Jaden Piner, Jharrel Jerome e Andre Holland.
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