
Eu, Daniel Blake
I, Daniel Blake (Reino Unido/ França/ Bélgica, 2016)
Submergido na catarse ao fim da seção, me recordo da exclamação que pronunciei como um sussurrar: de partir o coração. A introspecção revelada e diante da ficção que a pouco acabara de ser exibida surge da ciência de que, na verdade, Daniel Blake está vivo: no vizinho, na família, na quadra adiante. Eu, Daniel Blake concentra-se na austeridade do serviço público no trato com o cidadão que habita a periferia da produtividade; é estéril de sentimentalismo, mas fértil de sensibilidade.
O que pontua para esta minha sentença é a ausência da trilha incidental, por exemplo, aproximando-nos fortemente do gênero documental. Apresentando também fotografia fria e figurinos de tons predominantemente escuros, estas escolhas revelam-se oportunas, pois atenuam a precariedade deste cotidiano real e sinalizam metaforicamente à saúde emocional, sintetizados em tristeza, apatia e solidão.
Desse modo, o diretor Ken Loach expõe o potencial persuasivo da Arte a partir de um possível viés social. Leva às audiências uma reflexão sobre a burocracia e a incapacidade de acolher as fragilidades dos marginalizados e de reconhece-los, sobretudo, como humanos, para além de um código em um banco de dados.
Neste ponto você tem duas escolhas. Ou fica profundamente entediado a depender do seu nível de empatia com estas questões (que é uma escolha infeliz diante da qualidade do material que você tem em mãos), ou pode consolidar suas ponderações com o entendimento de que quem não tem perspectivas de crescimento profissional está condenado ao declínio pelo setor privado.
Isto expõe também outro aspecto.
O Cinema é fruto do seu tempo. É um registro histórico e cultural de uma sociedade em uma determinada época. Assim, a posteriori, a denúncia aqui induzida pode revelar-se ainda mais cruel. Além disso, note que o diálogo inicial entre Blake e uma profissional da saúde (do qual apenas escuta-se e nada se vê) indica-o como avatar para tantos outros cidadãos em situação semelhante, sejam eles britânicos ou não, que padecem diante da apatia imposta não só pelo fator burocrático, mas também do fator disfuncional do serviço prestado (em uma análise mais geral que abranja o Brasil).
Acredito também que esta boa recepção tem forte influência das performances minimalistas de Dave Johns e Hayley Squires. Há, de certa forma, a ciência implícita de que o overacting poderia construir camadas artificiais ao projeto, o que felizmente não é o caso. Ademais, se concebo a Arte como um difusor de sentimentos e sensações, concluo que Eu, Daniel Blake transcendeu estas pretensões.
Brasília, 18 de janeiro de 2017.
Direção de Ken Loach. Roteiro de Paul Laverty. Com Dave Johns e Hayley Squires.
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