
Jogador Nº 1
Ready Player One (EUA, 2018)
Jogador Nº 1 é visualmente impactante e divertidamente eloquente, sendo estas suas principais virtudes. Liberto de maiores ponderações, este é puramente um filme de gênero, que abraça a aventura e que lança-se com destacada vivacidade ao universo dos games, extraindo de lá a juventude e a criatividade que lhe são característicos. Dito isto, é surpreendente, no seu sentido mais positivo, que tenha vindo pelas mãos de um diretor com mais de 70 anos de idade.
Mas estamos falando, neste caso, de Steven Spielberg.
A priori não haveria de ser tão espantoso assim. Spielberg construiu sua prestigiada carreira dirigindo produções que têm grande valor afetivo para uma legião de fãs mundo afora, tais como E.T. – Extra Terrestre, Tubarão, Os Caçadores da Arca Perdida e Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, por exemplo. Mais do que isso, estes filmes de aventura estabeleceram-se merecidamente como arquétipo para tantas outras produções congêneres ao longo das décadas, transformando Spielberg numa figura lendária em Hollywood.
Apesar disso, pensando-se num retrospecto recente, é preciso reconhecer que sua filmografia tenha perdido brilho e o impacto de antes. Spielberg vinha privilegiando dramas com algum contexto histórico/político, como Lincoln, Ponte dos Espiões e The Post – A Guerra Secreta, e que do meu modo bem particular de ver já nascem desinteressantes ou caducos de empatia. Felizmente, Jogador Nº 1 vem resgatar seu lado inventivo o qual nos deu tanta alegria outrora. É como um abraço caloroso de um velho amigo na correria de um encontro inesperado.
Adaptado do livro homônimo, escrito por Ernest Cline, Jogador Nº 1 é ambientado no distópico ano de 2044 onde a realidade se confunde com o universo virtual do game OASIS. Neste jogo, não há limites para a imaginação, sendo possível inclusive acessar uma quantidade não enumerável de mundos, assumir qualquer tipo de identidade (leia-se, personagem) e, principalmente, viver o que a realidade já não lhe permite. OASIS é também a maior fonte econômica da Terra. Neste contexto, o jovem menino pobre Wade Watts (Tye Sheridan) parte em busca de solucionar o desafio proposto pelo falecido criador do game, o excêntrico James Halliday (Mark Rylance), cuja recompensa lhe dará controle total do sistema. Entretanto, Watts terá de superar a IOI (Innovate Online Industries), principal concorrente da OASIS, comandada pelo ganancioso Sorrento (Bem Mendelsohn), que entra nesta corrida mortal pelo poder. O roteiro é de Cline e Zak Penn.
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Se a sua premissa parece denunciar sua inclinação ao infanto-juvenil, esta expectativa é apenas confirmada ao longo da projeção. Objetivamente, podemos levantar que não há manobras narrativas inesperadas, as personagens também são tão rasas quanto possível, isto é, puramente boas ou más e sem aparentes pretensões para além disto e há o romance pouco ou quase nada interessante entre o casal protagonistas. Além disso, há ainda um excesso de exposição de informações de fácil entendimento e que por algum motivo sem razão de ser são demasiadamente marteladas. Infelizmente, estes apontamentos são releváveis e sacrificam um pouquinho de nossa boa vontade. Na verdade, estes apontamentos indicam que é uma história mais boba do que gostaríamos que fosse.
Entretanto, se narrativamente é uma tanto quanto pobre, o seu design de produção é riquíssimo. A cada nova ambientação nos surpreendemos com a dimensão grandiosa de seus detalhes, sobre os quais também estão dispostos efeitos visuais de bom gosto e de cores vibrantes. Além disso, Spielberg respeita conscientemente a caracterização das personagens como figuras de games, isto é, não há uma tentativa de torna-los críveis e entendo que isto deve ser valorizado. Por vezes, estes são até caricatos e que em um outro contexto diferente do abordado aqui poderia ser visto com maus olhos (a exemplo do que vimos no recente Liga da Justiça). Neste sentido, observe como Sorrento torna-se muito mais ameaçador quando, mesmo à sombra, seus olhos permanecem sempre brilhantes. Este tipo de estratégia me encanta. Para além da OASIS, note também como o mundo real não é ignorado pelo crivo artístico: Ohio ganha uma de favela do futuro com muitos carros empilhados que não passará despercebido por seus olhos.
Outro exemplo a ser destacado, e que na verdade foi o que me conquistou profundamente, é a sequência que reproduz um icônico momento de O Iluminado, dirigido por Stanley Kubrick em 1980, e que após isto faz uma releitura divertida de algumas passagens daquele filme. Acredito que Spielberg mergulhou fundo em sua atmosfera na qual, momentaneamente, somos surpreendidos pelo terror e mistério daquela história. Um recurso que ele utiliza para potencializar este feito é trazer a câmera para dentro do filme. Observe que durante a enxurrada de sangue que invade o corredor, a câmera passa a ser um objeto cênico, sendo levada por tal enxurrada e por vezes manchada por seu líquido rubro. São detalhes, que dentre outros, indicam quão dinâmico o diretor é.
Infelizmente, as atuações também me parecem ser bastante inexpressivas e portanto não farei maiores comentários. Nesse sentido, o fato de termos muita animação ajuda a relevar este problema. Mas, a essa altura, quem está ligando para isso?
Afinal, há tanta energia e diversidade de ação nas cenas e nas estratégias de direção que o melhor que podemos é aproveitar este passeio deslumbrante, sobretudo, atento as referências que se multiplicam rapidamente. Mesmo que as realidades virtuais e a reunião inusitada de personagens da cultura POP não seja algo exatamente novo no Cinema, Jogador Nº 1 é filme de sessão da tarde de luxo, feito por um diretor apaixonado pelo material que tinha e para os amantes de filmes de gênero, familiarizados ou não com games.
Brasília, 13 de abril de 2018.
Dirigido por Steven Spielberg. Roteiro de Ernest Cline e Zak Penn. Com Tye Sheridan, Olivia Cooke, Ben Mendelsohn, Simon Pegg e Mark Rylance.