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Parasita

Gisaengchung (Coréia do Sul, 2019)

Parasita é um filme feito por muitos filmes, no bom sentido da associação. Fascinado pela própria história, explora com curiosidade suas linhas narrativas demonstrando compreender bem a riqueza de seus conflitos, com sutileza. Além disso, possui uma das características que mais me seduzem. Passeia com elegância entre vários gêneros, o que, possivelmente, atenua o comentário político-social que denuncia, seja pelo uso das redes, seja pelas relações de consumo. Mais do que isso, estes elementos são marcas fatídicas da contemporaneidade e caracterizam Bong Joon Ho como um grande observador do seu tempo.

 

Isto não chega a ser uma surpresa, no entanto. À luz de um breve retrospecto aos anos recentes dessa década, podemos observar sua inclinação à atualidade, presentes tanto em Expresso do Amanhã quanto em Okja, seus filmes anteriores.

 

Em Expresso do Amanhã (adaptação da HQ O Perfuraneve), Joon Ho explora o suspense e o sci-fi apresentando de modo expressivo a luta de classes em um trem que percorre irrefreavelmente o mundo desde que as grandes potências econômicas lançaram sobre a Terra uma substância possivelmente capaz de conter o aquecimento global, mas que levaram o planeta a uma nova era glacial, destruindo toda a vida. Em Okja, Joon Ho mergulha na fantasia e na caricatura, assemelhando-se inclusive as adoráveis animações dos Estúdios Ghibili, ao trazer a amizade e a busca pelo resgate de um porco gigante por uma garotinha das montanhas, sendo aquele um instrumento de propaganda de uma indústria alimentícia cruel, que por vezes ignora valores éticos intrínsecos à ciência e à pesquisa, assegurada de falso discurso sobre sustentabilidade e erradicação da fome.

 

Em Parasita, o diretor parece orbitar no ponto médio entre ambos os estilos.

 

Aqui, acompanhamos a família Kim. Com extremas dificuldades financeiras e de idoneidades reprováveis, os Kim vivem em um grande subúrbio asiático. Acostumados a se valerem da malandragem, quando um deles assume a tutoria das aulas de inglês na família Park, muito rica, os Kim passam então a planejar um modo de todos se infiltrarem no dia-a-dia da família Park, provocando uma-a-um a demissão dos antigos funcionários. Assim o próprio conceito de parasitismo se estabelece, à priori. O roteiro é do próprio diretor em conjunto com Jin Won Han.

 

Vou mandar este vídeo para a madame. O que acham?

(...)

Se eles virem esse vídeo, o Sr. Park e sua esposa ficarão muito chocados!

(...)

Querida, esse botão "enviar" é como um lançador de mísseis!

O que quer dizer, querido?

Se quisermos apertá-lo, eles não poderão fazer nada. É como um foguete norte-coreano!

Parasita
Parasita
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Parasita

Analisando como a história está contada, de onde parte e para onde pretende chegar, o diretor é perfeito em sua abordagem. No caso, surpreendentemente equilibra-se entre comédia e suspense, com elegância, criatividade e energia. Auxiliado por um elenco (desconhecido para mim, mas) sintonizado com as ideias de Joon Ho, Parasita nos mantêm interessados por seu enredo absurdo ao longo dos 132 minutos de projeção seja pelo bom humor, seja pelas reviravoltas ou pela tensão gradativa.

 

Com efeito, mesmo que as reflexões estejam presentes, não totalmente discretas aqui e acolá, estes elementos não chamam atenção para si. Digo, Parasita não é uma alegoria, muito embora o tenha como vocação. Por outro lado, aspectos técnicos se sobressaem.

 

Observe, por exemplo, a descrição do plano inicial.

 

Meias penduradas diante de uma janela num subsolo, cuja vista está para o esgoto e o subúrbio caótico e, sob a qual, um jovem rapaz se conecta à Rede utilizando wifi com sinal roubado da vizinhança.

 

Esta cena dura poucos segundos, mas é forte o suficiente para estabelecer com precisão os pilares do enredo que acompanharemos. Há outros recursos visuais utilizados para reforçar o paralelismo entre as famílias. Dentre os que mais gosto, há uma sequência de cortes que oscila entre o piscar de lâmpadas em ambientes bem distintos, mas conectados pela urgência do socorro. Também há o corte, ainda mais veemente, que conecta montantes de roupas num ginásio de refugiados ao luxuoso closet na mansão dos Park.

 

Neste sentido, também o design de produção é valoroso, e embora a mansão dos Park seja de uma imponência ímpar, o lar dos Kim é o meu predileto. Decorado com pilhas de entulhos, o lugar jamais passa uma sensação de limpeza e exatamente pela imensa quantidade de informação torna-se ainda mais claustrofóbico (sendo o banheiro a cereja do bolo). Além disso, devo mencionar que a cena da fuga da mansão em direção ao subúrbio, passando por uma quantidade imensa de escadarias, túneis e ladeiras, sempre indo abaixo, é irretocável e mais uma vez condensa a crítica pretendida pelo diretor apenas pela força da imagem.

 

Os pontos positivos são múltiplos, como está bastante claro nos apontamentos acima, mas é preciso destacar um fato incômodo, ao menos de modo particular (ainda que não influencie tanto assim no balanço final). Acredito que a história não me parece equilibrada em sua, digamos, substância. É preciso estar muito disposto a ignorar a ingenuidade excessiva dos Park, bem como conceber críveis os golpes dos Kim ao longo dos acontecimentos. Com efeito, Parasita se apresenta caricato demais para ser levado a sério, ao passo que se torna tenso demais para ser absorvido com leveza. Além disso, também acredito que seu desfecho é menos inventivo do que tudo que lhe antecedeu.

 

Ao final, entendemos como o próprio conceito de parasitismo é modificado e assume um valor inesperado. Quem parasita quem?, questiona Joon Ho nas entrelinhas. Apesar dos Park acolher com humanidade e simpatia seus empregados, também estes deixam evidente que existe uma barreira, uma linha pela qual seus empregados jamais deverão transpassar. Do lado de cá da linha, a consciência de classe é ainda mais cruel. "O que o Min faria nesta situação?", questiona o jovem Kim à sua irmã, imaginando como seu amigo rico agiria se estivesse em situação análoga de desespero na qual eles se encontram devido as consequências dos seus pequenos golpes. A resposta dada por ela não deixa pedra-sobre-pedra: "o Min jamais estaria nesta situação."

Campina Grande, 3 de janeiro de 2020.

Dirigido por Bong Joon Ho. Roteiro de Bong Joon Ho e Jin Won Han. Com Kang-ho Song, Sun-kyun Lee, Yeo-jeong Jo, Woo-sik Choi, So-dam Park, Jeong-eun Lee, Hye-jin Jang, Ji-so Jung, Seo-joon Park.

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