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Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald 

Fantastic Beasts: The Crimes of Grindelwald (Reino Unido/ EUA, 2018)

O universo bruxo concebido por J. K. Rowling é a minha grande paixão enquanto histórias de fantasia e aventura. No cinema, Harry Potter e a Pedra Filosofal foi minha primeira experiência, aos 10 anos, e naquela ocasião vários sentimentos se confundiam entre o que era visto em cena e a minha percepção de estar naquele ambiente, construindo, portanto, um vínculo afetivo jamais superado. O corredor que levara até as salas, as luzes pelo chão sinalizando as fileiras, a grande tela ainda enigmática são lembranças que rivalizam apenas com o encantamento do próprio Harry diante de Hogwarts, do Beco Diagonal e outros tantos lugares que passaríamos a conhecer tão bem ao longo dos anos. As histórias fecundaram-se, tornaram-se consistentes e grandiosas e a franquia conquistou sua envergadura por seus próprios méritos de linguagem associados a cineastas cada vez mais ousados também. Tenho dito estas palavras porque Os Crimes de Grindelwald me mantém em conflito. Por um lado, devo dizer que por muito pouco já estava completamente imerso e entregue, como de hábito; por outro, admito que as escolhas que foram feitas prejudicaram muito a narrativa, sendo este o filme mais confuso do agora autointitulado Wizarding World.

Afinal, de “Animais Fantásticos” e de “Crimes de Grindelwald” aparentemente o filme não tem nada, e por si isto já é muito revelador, como discutiremos adiante.

 

Pensando-se em linhas gerais e no que seria o arco principal, este novo capítulo, por assim dizer, acompanha Newt Scamander (Eddie Redmayne) de volta a Londres após sua ida a Nova York. Diante da ameaça representada por Grindelwald (Johnny Depp), que escapou da custódia do MACUSA, e seus ideais fascistas de divisão do mundo entre os magos sangue puro e os que não são, o jovem magizoologista é então procurado pelo professor Alvo Dumbledore (Jude Law) que busca estratégias pra conter os seguidores o feiticeiro das trevas que agora multiplicam-se rapidamente. Enquanto o relacionamento entre Dumbledore e Grindelwald mostra-se cada vez mais complexo, paralelamente, Credence (Ezra Miller) continua sua jornada para descobrir suas origens a qualquer custo. O roteiro é da própria Rowling.

Jurassic World
Jurassic World
Jurassic World
Jurassic World
Jurassic World
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos

Da descrição acima, você já pode deduzir que a história ganha agora contornos de trama internacional com viés político e mais centrado na investigação de acontecimentos do passado. Não por acaso, aqui, tanto a atmosfera surge sombria desde a sequência inicial como também os personagens, de modo geral, apresentam o semblante angustiado indicando sua inquietação por motivos diversos que vão sendo esclarecidos na medida em que a roteirista achou conveniente. De certo modo, acredito que estas sutilezas contribuem para estabelecer elementos característicos próprios deste novo projeto. Explico melhor: acredito que elas estão inevitavelmente subordinadas a Harry Potter (70 anos à frente na linha do tempo) mas dão personalidade aos Animais Fantásticos e evitam que torne-se cosplay de si mesmo.

Que há de tão confuso, então?

 

O problema está na arquitetura do roteiro, o que influencia na narrativa, isto é, o modo como se conta uma história. Temos um excesso de subtramas mal compreendidas, dentre as quais há algumas pouco ou quase nada interessantes. Estas subtramas demandam não só atenção como também uma boa quantidade de informação e familiaridade com o universo compartilhado.  Consequentemente, requerem um grande número de personagens que nem sempre justificam sua inserção. Com isto, durante algum tempo a sensação é de mal estar por não conseguirmos identificar que história na verdade está sendo contada dificultando também a leitura para até onde se pretende ir.

 

Para que fique mais claro, vamos levantar alguns exemplos. Observe como o triângulo amoroso composto por Newt, seu irmão Theseus Scamander (Callum Turner) e Leta Lestrange (Zoe Kravitz) surge improvisado e pouco crível. Aliás, se suspeitávamos que Lestrange teria maior relevância ou que haveria algum investimento emocional a ser recompensado à posteriori, esta expectativa jamais chega a ser completamente satisfeita de modo que sua possível despedida não poderia fazer falta. Observe também como o casal Queenie Goldstein (Alison Sudol) e Kowalski (Dan Fogler) que fora tão bem aceito e que refrescara Animais Fantásticos e Onde Habitam, aqui surge pouco eficiente e incompatível com a supracitada proposta trágica que o projeto passou a abraçar. Além disso, é intrigante que a principal linha narrativa parece ser, na verdade, a de Credence, dado que movimenta todas as outras e tem peso inimaginável com os rumos que seguirão, mantendo-me, assim, reticente quanto ao protagonismo de Scamander.

 

Assim, eu vou te fazer duas perguntas das quais ainda não tenho respostas. Qual a relevância dos animais mágicos do título nessa história? Sabemos que Grindelwald deixou um rastro de terror por onde passou mas quais foram seus crimes de fato? De modo bem particular, gostaria de visualizar uma menção explícita a eles. Neste sentido, você pode me refutar alegando que outras respostas serão dadas nas próximas jornadas e é natural que a história não acabe aqui. Sim, concordo parcialmente mas não muda o fato deste ser frágil. Lembre, por exemplo, que os filmes de Harry Potter (com exceção talvez da primeira parte de As Relíquias da Morte), por mais que constituíssem um grande arco narrativo formado por 8 filmes, individualmente tinham uma estrutura bem definida de uma história com início, meio e fim.

Animais Fantásticos
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos
Animais Fantásticos

Felizmente, existem tantos outros elementos que compõem os filmes e que, aqui, o alto padrão continua a ser imperativo. Temos que os ambientes, fantásticos e reais, os figurinos e a paleta de cores da fotografia mantém a escala grandiosa do design da produção da série. Como é bom passear por Hogwarts novamente! Parece que pertencemos aquele lugar e não estamos dispostos a ir embora. Nesta deliciosa viagem podemos citar os vários Ministérios da Magia que apesar de distintos conversam entre si; temos também um circo, vivaz, que tem papel corriqueiro e resgata curiosamente uma antiga personagem. Exploramos ainda mais os já surpreendentes ambientes dentro da mala de Scamander que acredito ser uma das características mais legais desta história e o carro-chefe da direção de arte. Também me senti tocado pela conotação depressiva que os véus flutuantes adquiriram, além de ser uma solução poética e visualmente autoexplicativa.  Ademais, os animais mágicos, apesar de menores em número dessa vez, estão cada vez mais carismáticos e inventivos, associados a efeitos visuais melhores do que o capítulo anterior também.

As sequências de ação não são inesquecíveis e é o pior trabalho do diretor David Yates, no comando desde Harry Potter e a Ordem da Fênix. Observe como a fuga inicial de Grindelwald é confusa do ponto de vista da geografia da cena, isto é, há dificuldade no entendimento do que está acontecendo, da posição de um personagem em relação a outro, etc, o que é uma pena porque a mencionada bem sucedida direção de arte acerta em cheio na criação visual daquele terrível pesadelo. Particularmente, também achei a sequência final na França bem chata e burocrática. Acredito que Yates saiu-se melhor em momentos mais intimistas.

Por fim, menciono apenas que Johnny Depp, um dos atores que eu mais detesto, surpreende, e na verdade mostra-se ser um grande ponto positivo desse filme. Longe das bobagens e esquisitices que vinha fazendo, Grindelwald apresenta autoridade ímpar, grande habilidade de persuasão e uma natureza perigosa, traiçoeira, demoníaca. De fato, só de olhá-lo você já se convence que peça boa não é e acredito que isto é consequência da ótima composição de Depp que esforçou-se par mergulhar fundo. Sempre que ele aparece, o filme melhora também. Além disso, Jude Law é tão “Dumbledore” quanto possível: elegante, sábio, cativante, acolhedor e prenuncia desde já ser o grande bruxo que conhecemos na velhice.

À luz de tudo isso, concluo que as escolhas narrativas foram tomadas de modo consciente e por isso merecem um pouco mais de respeito. Ao seu modo, Os Crimes de Grindelwald é corajoso ao se concentrar mais nos personagens e no mistério do que na aventura, enriquecendo o universo compartilhado e apontando para um caminho ainda não visto. Yates e Rowling lançaram-se em um desafio questionável, mas acredito que não temos o porque de perder boa fé. Longe de ser uma decepção, mal posso esperar pelas próximas aventuras, esperançoso também pela homogeneidade abrupta e momentaneamente esquecida. O universo bruxo continua vivo para além do saudosismo.

Brasília, 3 de dezembro de 2018.

Dirigido por David Yates. Roteiro de J. K. Rowling. Com Eddie Redmayne, Johnny Deep, Jude Law, Ezra Miller, Callum Turner, Zoe Kravitz, Alison Sudol, Dan Fogler e Katherine Waterston.

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